Ai de mim, oculto atrás do tronco da figueira...
No limite da clareira, luar clareando a dança.
À beira do acampamento, observo a festança.
Carroças em círculo, no meio uma fogueira...
Ai de mim que ao som de guitarras espanholas.
Vejo a cigana dançar com o pandeiro encantado.
De fitas vermelhas enfeitado, batendo de lado.
Pés descalços e quadris acompanham castanholas...
Uma mão na cintura, cabelo agitando.
Um feitiço no olhar, estrelinhas faiscando.
Noite de espírito, outrora aprisionado.
Leve na dança, qual pássaro libertado...
Cabelos longos, volumosos, negros e ondulados.
Lábios de urucum, saia vermelha de lindos bordados.
Pulseiras abundantes, grandes brincos dourados.
Girando na ponta de pés pequenos e delicados...
Cantor e instrumento soam estranhos a meu ouvido.
Em nada se parecem aos cantos de minha aldeia.
É isto que os velhos chamam “canto proibido”?
Vejo um demônio bailando, um espírito sob a lua cheia?
Vejo uma pequena cigana de dançar encantado.
Vejo claramente seu rosto apesar da distância.
O seu olhar carrega um segredo bem guardado.
Em seus olhos um disfarçado ar de vingança...
Por quem está perto ela se sabe traída.
E hoje sua dança é bailada de despedida.
Oculto na mata, leio eu cada seu movimento.
Em sua saia rodada ela camufla um sentimento.
Ai de mim, caboclo seminu sob a lua prateada.
Ai de mim que oculto, antevejo a investida.
Quando gira veloz, sob a vermelha saia rendada.
Reluz ao luar, letal adaga cigana escondida...
Ai de mim testemunha de forte rancor sentido.
Materializado em dor e ódio daquele momento.
Coração de mulher, segredo, como eu escondido.
Logo adivinho qual será o próximo movimento...
Acorde de guitarra, dedos velozes a dedilhar.
Canção no final, perto, antes mesmo de terminar.
Adaga cravada no peito, vermelho sangue ao luar.
Guitarra silenciada, nada mais para cantar...
Foge agora para a mata, sem qualquer orientação.
Pulseiras de prata, brincos dourados para trás ficando.
Espíritos da mata que a tudo estavam observando.
Colocam a pequena cigana em minha direção...
Condenados por juízes sem senso e sem sentido.
Feitiços injustos, maldições lançadas em dor.
Ai de mim, pobre caboclo e pretenso salvador.
Chora cigana banida... Chora caboclo abatido...
Caminhos e trilhas da mata cheia...
Amores perdidos e ódio profano...
Adeus, minha querida aldeia...
Adeus, acampamento cigano...
Autor: Josué Fernandes
Data: 22 de outubro de 2009.
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